GARY GRAFF*
The New York Times Sindycate
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    Gregg Allman durante apresentação no New Orleans Jazz & Heritage Festival, em Nova Orleans (25/04/2010)

Gregg Allman canta a tristeza do blues em seu novo álbum solo, "Low Country Blues", e isso é muito melhor do que vivê-la. E Allman enfrentou algumas tristezas por causa de sua saúde nos últimos anos. Em 23 de junho, o cantor de 63 anos passou por um transplante de fígado, o mais recente desdobramento de uma batalha de quatro anos contra a hepatite C, resultado de muitos anos de vício em drogas e abuso de álcool.
Sua saúde ainda não está 100%, mas Allman sente que está caminhando para onde quer chegar. "A estrada é um pouco dura", diz Allman, falando por telefone de sua casa na Flórida. "Ainda não estou totalmente curado, mas estou muito melhor. Minha cor está boa e minha energia está voltando. E estou de volta aos 81 quilos, que é meu peso ideal. Há coisas boas acontecendo".

Gregg Allman - "Just Another Rider"

Entre elas está o retorno com o Allman Brothers Band, que teve que abandonar uma turnê de verão e a participação no Crossroads Festival de Eric Clapton por causa da cirurgia de Allman. Em março, o grupo fará sua residência anual no Beacon Theatre de Nova York, e Allman diz que a banda integrante do Salão da Fama do Rock and Roll --que ele co-fundou em 1969 com seu irmão mais velho, Duane Allman, que morreu em um acidente de moto de 1971-- voltará à estrada no verão.
"Low Country Blues", o primeiro álbum solo de Allman em 14 anos, foi concluído bem antes de sua cirurgia. Como indica o título, o álbum --produzido por T-Bone Burnett-- leva Allman de volta a algumas de suas raízes musicais, com 11 covers de canções de Lowell Fulson, Skip James, B.B. King, Otis Rush, Muddy Waters, Junior Wells e outros. Há apenas uma original, "Just Another Rider", composta por Allman e Haynes.
Terreno confortável do blues
Seus fãs podem considerá-lo um músico de rock, mas Allman diz que o blues é um terreno bastante confortável para ele. "É um ajuste de espírito. Esse tipo de música significa muito para mim. Tenho muita satisfação em fazer". O relacionamento de Allman com o blues teve início em 1965, logo após ele ter se formado no colégio. Ele e seu irmão começaram a tocar em bandas como os Escorts e os Allman Joys, fazendo turnês regionais pelo Sudeste americano, com o Allman mais novo inicialmente tocando guitarra e depois passando aos teclados.
"Nós fomos para a estrada e tocávamos no que eles chamavam de 'circuito miúdos de porco', todos os clubes ao redor do Sudeste, aqueles com cerca de galinheiro na frente do palco, dançarinas go-go", lembra Allman rindo. "E tinha uma estação de rádio chamada 'WLAC', de Nashville, que apresentava alguns shows, principalmente de blues. Tocavam Howlin' Wolf e Little Walter, Bobby Bland, B.B. e Sleepy John Estes, Magic Sam, todos esses caras".

Gregg Allman - "Checking On My Baby"

Os Allmans mergulharam nisso e começaram a estudar os artistas de blues e aprender seu repertório. Mas naqueles primórdios era difícil encontrar um público receptivo para esse tipo de música, especialmente entre os donos de clubes que pagavam para manter a clientela dançando --e bebendo-- ao som dos recentes sucessos de pop e rock.
"E lá estávamos nós fazendo blues. Os lugares onde tocávamos só nos deixavam tocar um pequeno número deles. Nós tocávamos em lugares onde havia um grande holofote apontado para a banda, 3.000 velas ou algo assim, e se tocássemos alto demais ou a canção errada, eles acendiam aquilo contra a gente, como um alerta", lembra.
Os Allmans, posteriormente, tornaram o blues a base de seu repertório, incluindo covers de "Statesboro Blues" (1928) de Blind Willie McTell, "Good Morning Little Schoolgirl" (1937) de Sonny Boy Williamson, "Stormy Monday" (1947) de T-Bone Walker, e "Trouble No More" (1955) de Muddy Waters, alguns presentes no último álbum ao vivo do grupo, "One Way Out" (2004).
A influência de um guisado de peixe
Allman também explorou o blues em seus próprios álbuns, que começaram com "Laid Back" (1973). Ele achou que tinha encerrado com seus álbuns solo após a morte de seu produtor e antigo amigo Tom Dowd, em 2002. "Tommy mimava nós todos. Desde que ele morreu, eu esperava que ninguém diria 'vamos gravar', porque eu não saberia quem chamar. Todo mundo chega quase perto, mas não chega lá".
Mas em 2009, o empresário de Allman, Michael Lehman, sugeriu que ele se reunisse com Burnett, que ganhou um Grammy na colaboração com Robert Plant e Alison Krauss no álbum "Raising Sand" (2007). "Eu me encontrei com ele em Memphis e uma das primeiras coisas que saiu da boca do cara foi 'Tommy Dowd'. Então eu soube por que ele estava em Memphis: ele estava lá com dois amigos arquitetos medindo o prédio da Sun Records, tábua por tábua, para reproduzi-lo ao lado de sua casa, na Califórnia. Eu acho que isso quase me convenceu ali".

Gregg Allman - "Blind Man"

Allman e Burnett gravaram "Low Country Blues" no final de 2009 no Village Recorder em Los Angeles, com uma banda que incluía Dr. John no piano, Doyle Bramhall 2º na guitarra, os colaboradores regulares de Burnett, Jay Bellerose na bateria e Dennis Crouch no baixo, e uma seção de metais com arranjo e condução de Darrell Leonard.
"Nós todos nos demos muito bem, cara", diz Allman. "No primeiro dia em que entramos no estúdio para gravar a primeira canção, eu conversei com a banda e disse: 'bem, vamos fazer isto e isto e aquilo', e todo mundo deu seu palpite e lá fomos nós. E tão logo começamos, foi meio como pescar: você pega o primeiro, depois outro e então outro, e acaba enchendo o barco".
As canções foram escolhidas dentre uma lista de quase 2.000 compiladas por Burnett. O produtor peneirou 20 para Allman considerar, todas familiares para ambos, e os dois as discutiram até chegarem às 15 que gravaram durante as sessões. Quanto a "Just Another Rider", era uma canção em que Allman e Haynes estavam trabalhando "há algum tempo e, por acaso, nós a concluímos pouco antes de eu ir para lá para gravar".
O título "Low Country Blues" foi inspirado pelo "low-country boil", um guisado de peixe do Sul. "Tudo lá é low-country isso, low-country aquilo", diz Allman, "então por que não 'Low Country Blues?' É um nome tão bom quanto qualquer outro", ele brinca. "Mas mal posso esperar para voltar lá e gravar outro álbum. Parece que, por algum motivo, toda vez que gravamos um álbum isso faz seu lado de compositor fluir. Quem sabe no próximo disco eu talvez possa compor um punhado delas".
*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan

Tradutor: George El Khouri Andolfato