Por I. Malforea
Dia desses tive de ficar cerca de uma hora num lugar onde a trilha sonora era o quase onipresente sertanejo universitário. Impossível para mim não prestar atenção em músicas-ambiente, pior ainda quando é num volume ensurdecedor. Pois bem, percebi um padrão temático, presente em todas as faixas que tocaram: a máxima desse tipo de música é simples, ir à balada para “pegar mulher” a qualquer custo, mesmo que para isso ela esteja tão bêbada que não saiba o que faz. Claro, ela nunca daria bola ao sujeito das letras se estivesse em sã consciência, a não ser que ele tenha um carrão. Apenas o verdadeiro garanhão consegue “jogar a gata” até no fundo de um carro “ralé”, como uma Fiorino. Um herói, nesse universo.
Não é novidade para ninguém essa temática da balada irresponsável, onde apenas se é feliz quando se bebe, “pega-se” a mulher em seguida, “joga-a” num carrão e… No mundo real, arremessa-se contra um poste qualquer ou se mata algum inocente na rua. Aqui em minha cidade um sabidão desse tipo foi parar numa valeta de esgoto, e a “gata” sumiu no mundo, deixando-o sozinho à espera da ambulância, agonizando. Tutti buona gente! Essa questão da mulher-objeto também é conhecida de todos, aliás, nas “suingueiras” de Salvador isso é ainda pior, inspirando a criação da “Lei Antibaixaria”, de 2012, que proíbe a contratação, por parte do governo estadual, de “artistas” cujas letras ofendam as mulheres. Não sei dizer se “pegou”.
Costumo dizer que há três tipos de música na sociedade: a construtiva, a café-com-leite e a degradante. Explico. A construtiva ou útil é aquela que inspira a reflexão, seja sobre poesia, problemas sociais, política, reflexões internas ou o que for. Dou como exemplos (de acordo com meu gosto pessoal, claro) os mestres Raul Seixas, Renato Russo, Cartola, Belchior… Os café-com-leite são aqueles que nem fedem nem cheiram. São entretenimento puro, e isso não é nenhum crime. Aliás, bom ressaltar que não condeno a existência de certos tipos de música, apenas o nível de importância e exposição que é dado a alguns. Dou como exemplo o Jota Quest, Capital Inicial, Skank, ou outros que você mesmo(a) possa lembrar aí. São esses que sempre estão em grandes festivais dividindo o line-up com bandas de axé e duplas famosas. Resumidamente, são bandas inofensivas, que nunca vão mudar a cabeça de alguém, nem pra melhor nem pra pior.
Agora vamos ao terceiro tipo: o das músicas degradantes. São aquelas que prestam um serviço avesso ao da educação. Incentivam violência, desrespeito, insultos e condutas pouco éticas. Para se ter uma boa noção basta se perguntar: “eu gostaria de passar esta mensagem aos meus filhos”? Já me disseram algo do tipo “quem é você para dizer o que é ou não bom? Tudo é cultura”. Certo, mas mutilar meninas recém-nascidas também é cultura em certas regiões e nem por isso é louvável. Existem culturas e culturas. Tourada é cultura, mas cada vez mais pessoas se convencem que é também barbárie. Se partirmos da ideia de que tudo é cultura, logo tudo é aceitável, não haveria mais razão para se viver em sociedade. O caos seria a única regra, já que o ser humano não sabe lidar bem com a liberdade, muito menos se for plena.
Curiosamente, o terceiro tipo é o mais promovido pela mídia. A mesma mídia que presta um serviço público, por concessão do Estado, e possui uma forte função social na educação e formação de público… Na teoria! Se você ligar a TV num canal aberto pode fazer o teste: se em dez minutos não aparecer um sertanejo universitário/funkeiro/arrocheiro/Ivete Sangalo provavelmente você está sonhando, delirando ou em outro país. Por que diabos o terceiro tipo é tão valorizado, sendo que não é o mais importante? Repito: não há nenhum problema em existirem Psiricos ou Anitas. Há público e espaço para todos. O problema é que esses são super-hiper-valorizados, dando a falsa impressão de que a música brasileira atual se resume a isso: produtos descartáveis e de facílima assimilação pelo grande público, carente de edução decente.

Boa música não depende de modismos e nem perde a validade, todos nós sabemos. E pesquisar é fundamental para quem não se conforma com o que é vomitado diariamente pela TV e o rádio FM, além dos malditos carros com sonzão. O rock, a MPB e outros gêneros não morreram: apenas estão no underground esperando por você. Crie o hábito de BUSCAR e COMPARTILHAR. Felizmente temos hoje a melhor arma possível: a internet, cujo principal filtro ainda está nos seus próprios usuários. Sinceramente não tenho a menor esperança de ver a boa música ser devidamente valorizada no Brasil, assim como a própria educação. Não é de interesse dos lobos ter ovelhas críticas no pasto, se recusando a consumir feno adulterado. Mas você ainda tem o seu livre-arbítrio. Não se conforme com as migalhas oferecidas, preste atenção no tipo de mensagem que você anda consumindo musicalmente e pense se é realmente o que você precisa. É um trabalho de formiguinha, mas totalmente válido.


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Este post foi publicado originalmente no site Troca o Disco, a qual sou colaborador. Confira mais posts e aproveite para conhecer o TDCast, podcast quinzenal dedicado à música.


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