Saul (clarim) e Gebran (piano): noite de jazz no São Francisco
- Sandro Moser
Ao piano de cauda no meio do salão, Gebran Sabbag toca os primeiros acordes de “Smile”, tema escrito por Charlie Chaplin e consagrado na voz de Tony Benett. Numa parede ao fundo, uma foto do sorridente cantor abençoa a cena.
Logo, ouve-se o som noturno do clarim de Saul Trumpet, improvisando sobre a melodia. Desta vez, a chancela vem de Dizzy Gillespie, e suas bochechas estufadas prestes a estourar, na reprodução do desenho do pintor russo Leonid Afremov.
Na plateia, muitos músicos da cidade parecem compartilhar uma emoção: mais do que um grande show de jazz, há um clima de movimento histórico, de volta ao lar.
Era este o cenário da noite da última segunda-feira, batismo do Dizzy Café Concerto, a nova casa dedicada ao jazz que abriu há uma semana em Curitiba.
O novo bar é uma sociedade do casal Jeff Sabbag e Ieda Godoy. Ele é um dos principais pianistas do gênero no país. Ela, uma empresária de sucesso da noite curitibana, dona de bares como Dromedário, Dolores Nervosa e Wonka, onde durante anos manteve uma noite semanal de jam sessions de jazz.
O conceito do Dizzy veio da experiência de Jeff. “Durante oito anos, viajei com a banda do [trombonista] Raul de Barros conhecendo clubes de jazz e tendo mil ideias. Quando eu e a Ieda nos unimos, começamos a pensar como seria bom ter um lugar desses em Curitiba”, conta.
Ela explica que seu bar é um “café-concerto, um bar com boa cozinha em que há apresentações de música ao vivo em todas as noites”.
Ieda conta que já tinha percebido a demanda por um local cujo público ache a música importante. “A cidade sentia falta disso, pois temos essa tradição.”
O primeiro passo foi achar o espaço: uma casa centenária na rua Treze de Maio. “Quando entramos aqui, a casa começou a dar respostas. O bar já estava pronto e a gente teve de lapidar a pedra”, explica Jeff.
Ele destaca um detalhe de engenharia que é o diferencial do Dizzy: o palco foi montado no meio do salão. “Fizemos isso para dispensar o microfone. A banda toda toca no volume do piano e o som chega em todos os cantos da casa”, explica o pianista.
O músico reconhece que uma das motivações para isso foi fazer uma homenagem ao pai, Gebran, que voltou a tocar piano “na noite” aos 84 anos. “Eu queira pôr um piano de cauda para meu pai se sentir em casa. Queria poder recebê-lo num lugar apropriado. Para mim, ele é o pianista mais importante do mundo”, revela.
Ieda explica que o bar terá programação ao vivo todos os dias, lá pelas 21 horas. “O jazz é o principal, mas também queremos passear por outros gêneros e outras formas de expressão artística.” No princípio, porém, a ideia é firmar a casa como um reduto para os músicos locais.
“Um bar novo é como um sapato novo, leva um tempo até se ajeitar, leva um tempo para a gente e o público entendermos bem como lidar com a casa”, explica a empresária.
A ideia é manter o clima boêmio e alegre das noites de jazz do Wonka, “com um pouco mais de conforto, porém ainda com preços acessíveis e público heterogêneo”.
Amanhã, a atração do Dizzy é o baixista norte-americano Oscar Stagnaro.
No esquema “abre e fecha”, cena resiste
Na história da boemia de Curitiba, há um capitulo reservado a uma série de clubes e bares que se tornaram redutos da música instrumental. Alguns com existência mais duradoura, outros mais efêmeros. E são muitos também os dedicados ao jazz.
Casas como o Blue Note, Hermes Bar, Camarim, Original Café, Full Jazz, Jazz e Cia funcionaram (ou funcionam) como um farol do gênero que tem muitos adeptos e músicos na cidade.
No final da década passada, a Rua Trajano Reis, no São Francisco, se notabilizou por reunir vários bares como o Wonka, o Blues Velvet e o Alberto Massuda, todos dedicados ao gênero. Destes, apenas o último mantém programação constante .
Para o músico Saul Trumpet, foi esta diversidade de espaços que “criou a cultura do jazz na cidade”. Ele foi proprietário de uma casa lendária do gênero, o Saul Trumpet Bar, que funcionou entre 1984 e 1997 no Centro.
“Era um bar pequeno. Mesmo cheio, dava trabalho e não lucro. Mas tocávamos jazz de segunda a domingo. Esperávamos uma escola ao lado fechar e depois o pau cantava até de manhã”, lembra.
Para Saul, a abertura do Dizzy preenche uma lacuna aberta desde então. “Estava faltando um lugar destes. Não está mais. Não tínhamos mais onde ouvir música deste nível depois que fechei meu bar, por isso todo mundo está se empolgando”, afirma.
OPINIÃO
A música até pode dar errado, mas o Dizzy tem tudo para dar certo
“O jazz é para dar errado, para a gente rir. Quando a gente toca certo demais parece baile, não fica legal”, explicava, ao piano, Jeff Sabbag na última segunda-feira. Descontraído, falava com a plateia como se estivesse na sala de casa. O bar, no entanto, não é nenhum pouco bagunçado, nem tem aquele clima de “ação entre amigos” que abrevia a vida de empreendimentos boêmio.
O Dizzy é um bar sem pontas soltas e vem para ocupar um lugar vazio desde Original Café, fechado no início dos anos 2000: um lugar para ouvir boa música com o conforto que o público “adulto” precisa, mas com o clima de festa que a noite impõe.
Nos 110 m² da casa, há espaço para todos. Mesas no gargarejo para quem gosta de “entrar” no show e espaço para ficar em pé, no convidativo balcão. Há também mesas reservadas para quem quer comer e conversar sem precisar gritar ou incomodar os vizinhos. Há um deck para as noites quentes que, espera-se, virão. O cardápio tem boas opções de bebidas e comidas, com preços bem honestos. O jazz pode ser feito para dar errado, mas o Dizzy tem tudo para dar certo.
Dizzy Café Concerto
(Rua Treze de Maio, 894, São Francisco), (41) 3527-5060. De segunda a sábado, das 19 às 2 horas. Shows às 21 horas. R$ 10. Capacidade: 120 lugares.
Fonte: Gazeta do Povo
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